domingo, 30 de abril de 2023

Eu estive no rio e achei que a cidade fedia a mijo

"Esta cidade sofre de uma febre que de tempos em tempos causa essas alucinações de belepóque. Bota abaixo, vamos começar tudo de novo! É o parasita modernizador, a malária de Miami, que antes foi malária de Paris. No delírio passado, arrancaram uma montanha da paisagem para enterrar um pedaço de mar, higienizaram tudo. No próximo, não duvido, vão higienizar de vez os cariocas."


Victor Heringer, que to lendo finalmente, e me dá arrepios de medo, acho que ele se matou, e acho que eu entendo tudo. Estive no rio, o maior fedô de mijo da porra, não se acha um lugar pra tomar um copo d'água, o calor é sufocante e as pessoas são felizinhas demais.

quinta-feira, 16 de março de 2023

eu acho que precisamos de uma mudança radical

 dia 1

oi **,
é lindo que tenhamos tantos nomes um pro outro.
e curioso que quando te escrevo, escrevo pra um você em mim, porque tem um você com quem eu falo que - em termos - independe do eu que você tem pra você mesmo.
denso né
tão tenso
tenso, tão desavisado meu tesão
vive um momento tenso
livre leve solto e de coração:
te amo
beijos molhados

dia 2
nessa alta madrugada
penso que esse filme que passou foi bom
e que o filme que vai passar
tem um atelie colorido e cibernético iluminado
com um bar retrô nos fundos
uma fauna diversa
bichos de criar no quintal
e a casa de deitar em poofys fofíssimos
livros e velas
alguma magia há no porvir

dia 3
um diario musical em que seja possivel subverter o texto
e suas intenções de domínio pela definição
de especificação pelo contorno

toda palavra é limitada?
ou isso é só mais uma ilusão de ótica do cistema?
deus, pátria, família
a gente em frangalhos
que tempos

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Inferno brasilis

CULTO, CULTO, CULTO O TEMPO TODO. PROSPERE, PROSPERE, AME A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS

MAS NEM TODO LUGAR É IGREJA, NÉ?




quinta-feira, 12 de maio de 2022

SESSÃO "Texticulos nunca postados"

Quem me conhece sabe que sou cria, eu já presenciei cada cena que deixou a vila inteira de bucho virado, mas minha gana de estudar, minha história de vida de branquinha deslocada e especialmente a garra quase inexplicável de meus pais sedentos me ofertaram o privilégio de me escolarizar em instituições que me aceitaram olhar pra cara todos os dias, algumas delas mais que legitimadas pelo estado burguês de direito e onde também circularam jovens revoltados com suas vidas condôminas medíocres e vazias de som e fúria. Isso desde bem pequena abriu uma buceta no meu espírito, não tô zuando não, é uma fenda funda que foi gestando duas de mim, estratégia de sobrevivência psíquica frente a contradições bem brasileiras e bem omitidas pelos adultos "responsáveis".
Pequena ainda, pouco mais do que cinco anos, eu era capaz de dizer sem nenhuma vergonha alguns palavrões escatológicos e pornográficos na frente de adultos respeitados por toda uma comunidade, bem como já vivia no meu espírito consistente a capacidade de discernir más intenções sexuais em adultos e pares masculinos que viessem tentar tocar meu sexo, pelo que sou uma bem sucedida espécime única de amiga não estuprada dentre as minhas amigas letradas. Isso não é mérito nenhum, só estou dizendo que nasci encapetada, como diz o outro, e tanto quanto eu era capaz de dizer sem vergonhices e saber que não se toca na minha vagina assim sem mais nem menos, era perfeitamente possível que eu viesse a agir de má fé em avaliações, processos seletivos ou competições esportivas, colocando todo meu corpo e mente a serviço de um mal maior que é a indisciplina somada à imoralidade. Certa feita, num campeonato interescolar de handebol - o esporte com potencial violento que me aprazia profundamente - eu discordei da capitã brutamontes do time adversário e fui capaz de abandonar todo o meu próprio time, que mesmo concordando com meu diagnóstico não teve a mesma infeliz capacidade que eu tive, de tirar a camisa e mostras os peitos pra cerca de trezentos alunos em puberdade, escandalizando duma só vez os meus próprios diretores e mais ou menos cinco bairros vizinhos. Se me orgulho disso, é certo que não, mas também ainda não nasceu uma vergonha impossível neste corpo que escreve pra sabe deus quem, motivo pelo qual eu não posso sair por aí inventando que de uns anos pra cá passei a ser mais contida. A coisa mais verdadeira a dizer é que o mundo me conteve, se me entendem. Posso ter me habituado melhor às regras sociais de convívio, é claro que sim, até porque chega uma hora que tomar socos e pontapés dos outros fica um tanto indigesto, e cansa de pena ter que ver seu pai e sua mãe lamentando o bug genético que te originou inexplicavelmente indiscreta, no entanto se habituar não é o mesmo que concordar, meus senhores.
|Depois que cresci mais um pouco as situações propícias pro meu showbizz não calculado foram ficando mais indisponíveis, se é que me entendem, pois o trabalho braçal se apresentou pra mim na mesma ocasião em que eu me surpreendia com o crescimento draconiano de pêlos pubianos na minha púbis nada cinderela, o que significa que não só eu precisava como eu havia aprendido a querer fortemente ter dinheiro o quanto antes, e o dinheiro, como é sabido de todos nós brasileiros, é um algo que se impõe reluzente sobre toda e qualquer demanda por civilidade que em algum país desenvolvidíssimo viesse a ser a prioridade indiscutível de um projeto de cidadão. Aqui, minha gente, deixamos essas prioridades em segundo plano. Meu caso era esse: se eu não me comportasse, ia virar pastinha de carne tenra rapidinho.
No fim das contas cresci e me entristeci, e não há mais o que dizer além de que estou ensaindo pra que em algum dia glorioso do meu futuro provavelmente reumático eu reúna as histórias anteriores à essa grande tristeza operária num tom meio jocoso, quem sabe, que possa divertir um ou outro que também tenha memória de ter sido um dia uma Criança Terrível. 

SESSÃO "Texticulos nunca postados"

Esse é o Brasil: uma trabalhadora, empregada doméstica, teve que levar seu filho pro trabalho, onde vinha dormindo há dias. Os patrões pedem que ela saia pra passear com os cachorros e ficam responsáveis pelo cuidado da criança, de cinco anos. A criança começa a pedir pela mãe e é autorizada a, sozinha, sair em sua procura.
É morto então o pequeno, caindo do alto de uma torre residencial, vítima direta do descaso animalizante dos burgueses safados e de um sistema que faz com que persista aqui o genocídio da juventude negra e todo um sistema de opressão, espoliação e abuso constantes, organizados, coerentes com um projeto de governo cada vez mais e mais declaradamente racista, fascista, capitalista selvagem, como queiram chamar uma organização criminosa que precisa ser não só derrubada agora, em sua formação vigente, como superada em termos de estrutura e capilarização nas nossas vidas pessoais, organizações e coletivos. Afinal, como admitimos a vaguidão da crítica da falta de mobilizacao ao mesmo tempo que endossamos a vaguidão da ideia de o racismo ser um problema moral de brankkkos? Como somos anti tudo, e pró nada? Será que estamos fazendo as perguntas corretas? Qual é o nosso alvo?
O Brasil não é um país democrático, aliás, e por isso não há o que ser resgatado aqui, mas sim o que ser disputado. Nós mal começamos. Aqui o sujeito negro é animalizado e a violência de estado praticada contra ele persiste apesar de todos nós.
(...não continuei)

Poema agudo

 Poema agudo

Gritado

por alto

enquanto eu varria a casa

e tentava assustar as castas vizinhas.

Ouviu?

SESSÃO "Texticulo nunca postado"

Em "Queridos dias difíceis", uma parte doída de um livro do Ricardo Aleixo que ganhei da um amor irmanado e sortudo que tenho nessa vida, encontrei mais cedo uma coisa que diz o momento. Quem me conhece de pijamas sabe bem que li o manifesto comunista e coisas assim perigosamente aos 13, e mesmo que até hoje eu não tenha entendido nem o que é a vida muito menos onde desemboca o gênero manifesto, já com aquela carne noviça eu passava a perturbar meus parentes e chegados. Mesmo sem entender muito e desde então, progressivamente, emano esse desejo coletivo de libertação a tal ponto e tanto, que hoje posso me estafar com míseros dois segundos de tentativas de diálogo entre divergentes fundamentais. Hoje isso tudo contornou um nó indecifrável no meu peito (e misteriosamente ao mesmo tempo eu venho percebendo que os valores cristãos como a modéstia, a resignação e a caridade nunca pousaram na minha cabeça de água turva e tortuosa, que já tem mãe e é órfã de pai, que não tem igreja por cima nem marido dentro, essa minha cabeça ingovernável). Vejam como hesito em formular qualquer trecho compreensível sobre isso tudo, e como de fato se trata de um nó, no peito, indecifrável, emaranhado de indignações e insolência vaidosas. Um nó contornado com batom vermelho.
Mas então, posto que agora, mais do que há alguns meses, todas temos dores lancinantes, indigestão crônica, palpitações assustadoras, muita treta em andamento etc - nem vou falar da dificil convivência com as omissões de estranha e desenfreada produtividade, porque essa parte precisava era de um .doc e não tem ninguém me pagando bolsa de estudos - vai aí o encontrado poema que lansa a braba pro nosso lado de dentro, nós que somos dissidência na própria casa, ovelhas perturbadas pelo assovio tentador que vem de baixo do rebanho, do chão quiçá, nós que somos gauche na vida, mas nas mesas de bar e nas farmácias cada dia mais apaziguadas(ainda que permaneça comovente o nosso tanto sentimento do mundo):

Eu, militante, me confesso

O que eu sei sobre a causa que me carcome
O tempo e os nervos é de orelhada. O que não
Sei dou conta de procurar saber nem mesmo

Por alto. Discordo de tudo com veemência e estri
Dência para não ter que refletir sobre o que ouço
Ou leio. Empáfia poderia ser o nome do país de

Onde eu nunca saí de todo. Trago de lá a mania
De andar olhando só para a frente (para trás?) &
Praticamente todas as solidões do mundo.

Precisamos falar sobre a minha branquitude cisgênera esquizóide, pós-punk, diletante e infelizmente sem privilégios

tem uns videos no youtube com entrevistas de uma certa fauna marginal estadounidense
fico pensando em fazer uma sobre sp
mas nao da
tem uma gringa meio mala interrompendo meus pensamentos produtivos de derrotismo estético
eu podia matar a gringa e dar vazão aos meus pensamentos produtivos mui artísticos de tom mezzo marginal da favela do cal mezzo caipira do pátio industrial do brás mezzo aesthetic kidcore de rede social
mas ela segura uma estrela dourada numa mão e um AKA 47 na outra
diz pra mim: seja feliz, seja feliz, seja feliz!
me obriga a dar atenção a tudo que não sei
e, depois, baixinho, ela ri: "motherfucker"

me dá um arrepio horrendo
as imagens que venho fazendo.
ainda fico sabendo que mais que 70% de nós pode ter vermes no sistema digestivo
já pensou?!
em semi-tom, a voz aparece no palco da minha loucura: "motherfucker"
e continua, me adivinhando: "e você, que não tá vermifugada?"

ok, atenção, foco, disciplina, fé em deus.
eu começaria assim o video de sampã:
"ta muito empatado escrever hoje
e esqueci de ler o horoscopo"
- "so much suffering" - numa voz em off, se possível rouca, pra dar legitimidade dramática

aff, chega, já cansei dessa tarefa.
é vero que sobem mil vídeos por nanosegundo nas plataformas digitais
- já pensou?! -
então eu acabo achando que é mais que o suficiente.
não acha?

no mais, ando lendo umas historias de mulheres
grandes tragédias latinas
cachorronas lokas 
nenens órfãs,
afetos ferozes, 
paraisos internacionais, 
tropicais contidas,
universais de salto,
particulares com línguas,
umas traduções impossíveis,
mas nada me diz de mim.

se eu pudesse misturar uma coisa aqui e outra ali, me adivinharia.

(é preciso escrever).
(eu quem devo descobrir).

mas cá estou na prisao do corpo 
em pt-br, senhoras e senhores,
portanto são poucas as filosofias possíveis.
melhor dizer, pra resumir:
ainda tenho órgãos e defendo minhas células.
por fim, bradar: quem são vocês pra falar de nós?!

("unpolite little bich ill kill you till you tried not to let me do it")
(é a histérica me enlouquecendo no palco da loucura, agora me mandou calar a boca a filha da puta)

continuemos
e
o mesmo corpo tá diluido no discurso
a linguagem sofrendo hack attack
fica difícil dizer com firmeza "tenho órgãos e defendo minhas células"

corpo ou discurso?
agora mais essa.
(quem é inteligentinho diria: os dois! 
mas desse lado nós sabemos bem o que é não poder ser os dois
meu corpo foi comprado pelo mercado de trabalho quando eu ainda tava na barriga da velha da minha mãe)

no mais,
troféus, cômodos, linguajares, publicações, moda fitness, aleatoriedades que são
todas e tantas palavras inacreditáveis
e possíveis.
até que se prove o contrário.
e ainda assim nada adiantará
(a histeria comendo minhas vísceras)
(gargalhando)

corações colapsando
via dores lancinantes no peito
anxiety
burnout
transtornos
as palavras da vez

e os lobos correndo ferozes famintos famintos famintos

(ela comenta que "thats your algoritme dumb, thats not as palavras da vez"
e a gringa maldita brinca que hoje no teatro estréia "A Burra", estrelando eu, A Burra)

eu não vou deixar vocês me derrubá
canto então em alemão se precisar
os homens vão me achar linda e engraçada e vocês vão ficar com inveja.

(a gringa histérica se regozija e berra no palco da loucura que achou que ia demorar mais pra me vencer...abre a bolsa, tira um saquinho de trecos, começa a lixar as unhas...)

eu tiro a roupa e canto mal:
"this world
is
going up in flames"
palhaça, prossigo:
"e eu tenho no words to explain!"

ninguém ri.

suando frio, balbucio: "deixa-me ver, vou espremer pra ver se sai mais alguma sabedoria express pra vocês..."

- a nossa historia de vida é de mitos vorazes
pais bebuns maes colapsadas 
irmaos que se vão morrer lentamente dentro de nobres ignorâncias
vagarosamente
tudo cessa
throw the road of life.
e nós não viramos grandes estrelas
já que é tudo tao complicado
e indecifrável,
ainda que intrincado.
as historias de vida
a fenda no tempo,
a narração,
a lenda,
os mitos fundadores,
a pausa pra observar melhor
quem cada um é ou sabe de si...
na inteligencia proletaria 
é tudo um simples dilema de folhetim didático
que ninguém lê.
ou uma breve luta de espadas
de onde todos saem fatalmente feridos.

pronto, agora acabou as sabedorias mesmo.
(a gringa histérica recolhe o saquinho de trecos, boceja forçosamente, fecha sua bolsa e sai de cena. me venceu, a pestilenta, sei porque lembro que preciso preparar o jantar)

antes de sair, pra não ficar na cara que vou sair vencida, falo num tom firulento meio fake meio verdadeiro:
"se eu fosse ligeira
dava um nó no destino,
transava de fato,
ignorava esses mitos,
escrevia meu hino
e incendiava meu corpo no meio do passeio público!"

de novo, ninguém ri

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Lalangue

eu tenho uma história de horror pra contar. tudo que fui e vivi até aqui era um inebriamento sem desdobramentos, uma febre alta, vertigem, alucinações. meu pai foi alcoolatra dos 16 aos 54 anos, e ao fim deste ciclo ele já estava sem nenhuma de nós e cagava sangue.

nós éramos três dentro de casa e muitas fora dela, dentro de outras casas, crescidas em outras famílias, legisladas por muitos estados. em casa nós três nos revezávamos em rezos e ebós, todos curtidos na água que pinga da chuva pra varanda arejada em que lutávamos pra passar mais tempo, todos incensados com as ervas que nasciam de nosso cultivo. fossem as ervas plantadas em jardins muito altivos e finérrimos, teríamos nos permitido mais calma polidez? fossem as ervas crescidas em suntosos palácios de segredos e rococós, teríamos salvado ele? teríamos salvado ele que era o nosso? teríamos podido? 

haverá quem perceba a intuição feroz, de intuição violenta, que há na intencionalidade campesina de dizer mesóclises rimando com bem menas propriedade do que faziam os que rogavam pela proteção de suas longas propriedades?

quando eu notei meus deslizes ainda com a carne fresca, agradeci a deus pela benção e passei a falar todas minhas abobrinhas vestida com calcinha e soutiens

eles que lutem

bom, se eu fosse contar aos senhores como seria se, donas do mundo, nós três passassemos a ter culhões, entregaria à minha nada prestigiosa orientadora vocacional algum ensaio entitulado "a obsessão pelas compras no século da revisão da impossibilidade da metalinguagem" ou "tanto fez como tanto faz: uma reflexao acerca da despersonalização da classe" ou "metonimia e contradição no relato popular da vida no brasil: meu pai era presente"

no primeiro caso, eu aventaria as seguintes hipóteses: 1) o individualismo e o consumismo em ascensão vertiginosa formam subjetividades obcecadas pela aquisição; a mercadoria tornou-se tudo e todas as coisas, apropriando-se de palavras para formar jargões como economia dos afetos, só vou amar quem me ama, e velha do caralho sai da minha frente nessa fila 2) houve consenso no fim do ultimo seculo sobre os limites da interpretação dos discursos no ambito publico; 3) sendo a metalinguagem uma impossibilidade logica, a necessidade de revê-la passa pelo recalcamento coletivo, pela necessidade inconsciente de nao lidar com as ambiguidades dos discursos, pela demanda por um pai salvador e ímpeto de inventar memórias sobre este pai 4) a metalinguagem passa a ser intuitivamente revisada no ambito publico da comunicação enquanto uma ferramenta, nao um meio, e portanto moldada para publicidade, o convencimento e a redenção. eu articularia essas hipoteses por pelo menos mil e quinhentos reais ao mes e passe livre no refeitorio. minha carne é barata, porém eu jamais dormiria na rua e se eu garantir isso até os 40 anos, desisto definitivamente da prostituição deste corpo branco alucinado e desejável.

no segundo caso, eu ensaiaria um trocadilho a partir de duas ideias. uma, o empatamento caracterizado pelo abandono da política, ou seja, deglutiria textos sobre pos politica, pensamento critico e dois, o principio neoliberal de contrariedade entre a ideia que somos diversos e muitos e a ideia que somos todes de uma classe. eu faria isso por um mês num spa longe da minha família drogada (em reabilitação, no shame), do meu marido homem heterocis, dos dois cachorros imundos que emporcalham o sofá que paguei com um mês inteiro de trabalho num escritório suburbano que fede a bafo de homem crente.

no terceiro caso, eu discorriria sobre como a detecção de privilégio a partir dos critérios puramente estéticos da presença da figura paterna na vida de uma pessoa é uma metonímia e não um fator sociológico qualitativo, necessariamente. a metonímia é relacionada ao deslocamento do singular e do plural: eu, que tive pai em casa, pai trabalhador, pai casado com a mãe, pai com nome no meu registro, seria um plural relacionado ao "pai presente"; no entanto, em países de capitalismo periférico, isso é um problema pra lógica, já que o regime capitalista patriarcal em países dilacerados pela colonização e imperialismo produz homens afastados de qualquer valor comum relacionado ao cuidado e ao asseamento. esse texto eu faria por dois anos grátis de análise com alguma gata fenomenal que me ajudasse a romper o meu afeto feroz pela minha mãe e essa obsessão atual por regimes redentores de enquadramento

mas como a gente nao é donas do mundo e, mesmo que o mundo seja redondo de fato, mas como mesmo o mundo sendo redondo, a gente não é dona dele, e o que dá é pra eu murmurar uma ave cansaço agradecendo porque meu pai disse chega e revolucionou o seu corpo, reabilitando-se aos 54 anos e nos ajudando a recuperar nossa seiva. fazer o que, precisamos uns dos outros como nunca antes na história desse país

em nenhum caso eu disse de fato o que eu queria dizer, posto ainda estou lalalanguidamente acordando de tantos anos etílicos e cheios de poemas sórdidos

vou amansando minha cavalaria

lembrando que nem tudo está perdido

yes i had horses too

acordei de um porre balbuciando os sonhos que acabaram agora mesmo

ano que vem faço trinta anos e de mim nao sei nada a que recorrer

sou livre, estou lúcida

sujeita indeterminada mas com esse humor macabro 

e vívidos lances, fenomenais jogadas


meu país é meu lugar de falha

sábado, 1 de janeiro de 2022

Na proxima vida venho ao contrario

"Foi nessa vida que eu te quis

Da proxima vez venho ao contrario

Venho sem seu aval

Se meu corpo é meu ou do carnaval"